Um resumo sobre a história e os objectivos da DBG
por Dr. Uwe Kaestner
por Dr. Uwe Kaestner
50 anos – meio século – a Sociedade Brasil-Alemanha (Deutsch-Brasilianische Gesellschaft – DBG) empenhou-se no fomento das relações bilaterais, contribuindo, em muitos setores, no seu desenvolvimento e intercâmbio mútuo. Participou ativamente na divulgação de informações abrangentes e atuais sobre a situação política e econômica nos dois países parceiros.
Esses 50 anos foram cunhados nos dois países por altos e baixos, por sucessos e reveses: governo militar e democratização, divisão e reunificação, inflação e crescimento estável, globalização e crise econômica, bem como sua superação. Apesar dos efeitos nocivos da crise internacional, ambos os países encaram confiantes no futuro, levando-os a uma cooperação mais intensa.
Essa situação histórica cunhou perenemente também a DBG. Pode constatar hoje, com toda a razão, que sempre se manteve fiel a seus objetivos, em tempos bons como em tempos difíceis. Seu qüinquagésimo aniversário constitui incumbência e obrigação para os próximos decênios.
A primeira versão da presente publicação saiu por iniciativa do Instituto Martius-Staden de São Paulo e foi publicada no Anuário Martius-Staden de 2006. Por ensejo dos 50 anos da DBG está saindo com um novo capítulo, aprofundando o seu desenvolvimento desde o ano de 2000.
Fica aqui meu agradecimento a muitos colegas da Presidência da DBG pelo fornecimento de importantes documentos e valiosas sugestões – caindo, no entanto, sobre mim a responsabilidade pelo conteúdo e avaliações.
Dedico a presente publicação a todos que nesses 50 anos, em ambos os lados do Atlântico, se empenharam em prol das relações teuto-brasileiras, apoiando com isso o principal escopo da DBG.
Dr. Uwe Kaestner
Bonn, em junho de 2010
Quem quiser retratar os 50 anos de história da Sociedade Brasil-Alemanha ( Deutsch-Brasilianische Gesellschaft, DBG) não deve deixar de considerar, por um lado, a personalidade, vida e obra de seu fundador, Prof. Dr. Hermann Matthias Görgen, e, por outro, a rede de relações Brasil-Alemanha neste meio século, assim como o contexto político mundial mais amplo nesses anos. Apenas a referência ao contexto mais abrangente – aqui enfocado somente em seus aspectos essenciais – permite compreender e valorizar o significado da DBG dentro das relações Brasil-Alemanha, bem como sopesar seus objetivos e resultados.
No dia 23 de dezembro de 1908, nascia Hermann Matthias Görgen no Sarre (Saarland), um dos pontos focais da história européia. Ele estudou Filosofia, Pedagogia e Economia na Universidade de Bonn, onde doutorou-se em 1933, tendo obtido o grau „summa cum laude“. Já cedo, travou contato com o filosofo Friedrich Wilhelm Foerster, que foi determinante para a sua orientação intelectual. Sob a influência deste, erigiu-se seu mundo de valores humanistas conservadores e sua decidida oposição a totalitarismos de qualquer matiz.
Uma vez que não fazia segredo de suas convicções, a chegada ao poder dos nazistas significou o fim de sua carreira acadêmica na Alemanha. A „Habilitation” para professor catedrático foi-lhe negada. Na noite de Ano-Novo 1934/35, foi obrigado a esquivar-se da prisão iminente pela Gestapo, fugindo de Bonn, onde se encontrava realizando pesquisas. Retornou a sua cidade natal no Sarre, onde, em breve, se realizaria um plebiscito sobre a reintegração ao Reich (“Heimkehr ins Reich”). Juntamente com Johannes Hoffmann, organizou a resistência católica contra a incorporação do Sarre à Alemanha nazista, que vinha se delineando. Quando isso se tornou irreversível, refugiou-se na Áustria, depois dessa também ser „anexada“, seguiu, via Tcheco-Eslováquia, para a Suíça. Nestes anos, conheceu Dora Schindel, refugiada como ele, a qual veio a se tornar sua insubstituível assistente.
Na Suíça, juntamente com o Prof. Foerster, que já tinha residência na França, retomou a luta intelectual contra o nazismo, alertando sobre a guerra que se esboçava. Em 1940, as autoridades suíças proibiram-lhe de continuar com suas atividades políticas e o intimaram a deixar o país. O que se seguiu foi um „romance policial“, descrito por Görgen em suas memórias: a idéia era, sob a égide do „Comitê pour le Placement des Intellectuels Refugies“, encontrar um asilo para 45 perseguidos políticos, religiosos ou étnicos e organizar a partida dos mesmos.
Decisivo para o sucesso da empresa foi o encontro com o enviado brasileiro junto à Liga das Nações, Dr.César Weguelin de Vieira. Embora o governo brasileiro do Presidente Getúlio Vargas, depois da eclosão da Segunda Guerra, viesse adotando uma linha cada vez mais restritiva à concessão de asilo a refugiados da Europa, o Dr. Weguelin de Vieira emitiu vistos para o „grupo Görgen“, não na qualidade de intelectuais, mas como investidores – sob a condição de fundarem uma fábrica, após uma fuga bem sucedida.
No dia 11 de maio de 1941, aportou no Rio de Janeiro o „grupo Görgen“, recebendo asilo político no Brasil. Cumprindo a condição para a sua acolhida, foi fundado em Juiz de Fora o empreendimento batizado „Indústrias Técnicas“, com os ramos de transformação e fundição de metais. Paralelamente, Görgen contribuia para a Revista Brasileira de Filosofia e lecionava na Faculdade de Economia em Juiz de Fora.
O início foi difícil: não apenas o funcionamento de uma empresa era algo novo para o grupo -eles também esbarraram no Brasil na resistência de círculos de descendentes de alemães que cultivavam abertamente o Terceiro Reich. O ingresso do Brasil na Guerra – após ataques de submarinos alemães a navios brasileiros e o ataque japonês à Pearl Harbour – acarretou o corte das relações com a Europa. O Brasil tornou-se a nova pátria de Görgen, sua grande paixão. A dívida de gratidão pelo asilo recebido determinou os rumos da sua vida posterior.
Após o final da Guerra, Görgen permaneceu inicialmente no Brasil. Mas depois da assinatura do Tratado do Sarre, em 1954, que, através de plebiscito aplainou o caminho para a reintegração do Sarre à nova Alemanha democrática, Görgen retornou a sua velha pátria. Lá Johannes Hoffmann havia-se tornado governador do Sarre, e convocara Görgen, seu companheiro de exílio, a assumir a direção geral da Rádio Sarre (Saarländischer Rundfunk). Pelo Partido Popular Cristão (Christliche Volkspartei) que, mais tarde, se fundiu à CDU/CSU, Görgen foi eleito para o Parlamento Alemão na legislatura de 1957 -1961. A então incipiente política de desenvolvimento foi seu grande foco.
Por incumbência do chanceler Konrad Adenauer, passou a ser o Encarregado do Serviço de Imprensa e Informação para a América Latina, função que desempenhou até 1973.
Em 1960 foi o Espiritus Rector na fundação da Sociedade Brasil-Alemanha (Deutsch-Brasilianische Gesellschaft).
Em 1961 fundou o Centro Latino Americano (Lateinamerika Zentrum) dedicado ao fomento do desenvolvimento.
Ao final da Segunda Guerra e no período Pós-Guerra, a Argentina do Presidente Juan Domingos Perón considerava-se o “number one“ na América Latina . O país havia feito muito dinheiro com a exportação de carne e trigo para outros países devastados, assolados pela fome. Na década de 50, entretanto, a coisa mudou de figura. O Brasil, que tinha na época 55 milhões de habitantes, dava, no mandato do Presidente Juscelino Kubitschek, um significativo salto econômico, tornando-se cada vez mais atrativo para investidores internacionais.
Emblemático desse impulso inovador foi a transferência da Capital para o interior do país – Brasília – como idéia, como meta política, como concepção urbanística, como grande lance arquitetônico, cuja implementação causou sensação no mundo inteiro por seu pioneirismo, inclusive na Alemanha, onde em Dessau, na década de 1920, o Bauhaus tratara de pensar a arquitetura do século XX.
Em 1955 foram restabelecidas as relações diplomáticas entre Brasil e Alemanha: primeiramente foram instalados Consulados gerais, começando com São Paulo, depois vieram as Embaixadas no Rio de Janeiro e em Bonn. As negociações sobre a restituição de propriedades de alemães confiscadas durante a Segunda Guerra progrediam bem; cidadãos judeus refugiados no Brasil foram incluídos nos processos de indenização. E também a indústria alemã encontrou no Brasil um fecundo campo de atuação. Empresários alemães que haviam permanecido no País durante a guerra tornaram-se pioneiros da primeira hora. Empresas com longa tradição no Brasil, como por exemplo a Siemens, retornaram com planos de expansão. Grandes nomes como Volkswagen, Mercedes e Mannesmann engajaram-se com investimentos significativos. O presidente Kubitschek demonstrou seu reconhecimento pela recém inaugurada parceria com a República Federal da Alemanha, recompensando este engajamento industrial com uma visita ao país europeu.
Vale lembrar: o mundo de então encontrava-se dividido entre o „ocidente livre“ – ao qual se reconhecia pertencente a República Federal da Alemanha -, e a área de domínio do comunismo – à qual pertencia a outra parte da Alemanha e que também havia fincado pé na América após a Revolução Cubana de Fidel Castro em 1958/1959 -, os países não-alinhados – um conjunto de países do Terceiro Mundo que haviam se tornado independentes – e países ainda sob domínio colonial especialmente na África, onde as guerras coloniais portugueses e o Apartheid sul/africano eram um escândalo internacional.
O Brasil era assediado por todos os lados. Mas guardava distância. No movimento dos não-alinhados tinha apenas o status de observdor. Para o ocidente, especialmente depois da Revolução Cubana, manter o Brasil nas suas fileiras era um propósito primordial. Todo contato com lideres de destaque era importante.
Em 7 de dezembro de 1960 reuniram-se em Bonn personalidades líderes visando a fundação de uma Sociedade Brasil-Alemanha com sede em Bonn, cujo objetivo, conforme o §2 de seu estatuto, seria:
A Deutsch-Brasilianische Gesellschaft e.V. (Sociedade Brasil- Alemanha) é uma associação sem filiação política, partidária ou confessional. Almeja contribuir, através de atividades culturais, sociais, artísticas, de caráter informativo ou científico, para o entendimento mútuo entre brasileiros e alemães, bem como para a compreensão recíproca das questões intelectuais, políticas, culturais, econômicas, sociais e religiosas de ambos os povos.
Entre os sócios fundadores, encabeçados pelo Prof. Görgen, estavam 18 destacados membros de seu grupo parlamentar, a CDU/CSU, como os posteriormente Ministros Dr. Hermann Höcherl e Dr. Bruno Heck, e os especialistas em política externa Dr. Hermann Kopf e Karl-Theodor Freiherr zu Guttenberg, Dr. Friedrich Freiherr von Oppenheim, como grande empresário, responsabilizou-se pelas relações com o setor econômico. O Embaixador do Brasil Dr. Abelardo Bueno do Prado e outros integrantes da Embaixada do Brasil assinaram as atas de fundação, assim também professores da Universidade de Bonn, integrantes de ministérios do governo alemão, como o diretor da América Latina do Serviço de Imprensa e Informação Dr.Hans-Joachim Dunker, além do escritor Dr.Wolfgang Hoffmann-Harnisch, que, assim como Görgen, recebera asilo político no Brasil, sem esquecer de Dora Schindel, que havia se tornado assistente de Görgen no Parlamento alemão.
A assembléia de fundação escolheu o Prof. Görgen como presidente, Dr.Hoffmann-Harnisch e o Ministro-Conselheiro Vasconcellos como vice-presidentes, Dr. Diniz de Andrada, Dr. Freiherr von Oppenheim e Dr. Heck como membros da diretoria e o deputado Dr. Aigner, como presidente do Conselho. O Embaixador Dr. Bueno do Prado foi eleito por unanimidade como presidente de honra.
O Prof. Görgen e os co-fundadores impregnaram a Sociedade com seus valores. Eles se alinhavam à orientação básica conservadora e às metas políticas da era Adenauer: renovação moral e ético-jurídica com o objetivo de evitar qualquer recaída em um regime totalitário, e integração da República Federal da Alemanha em uma rede de estreitas relações européias, atlânticas e mundiais, com o objetivo de ancorá-la no ocidente e impedir „caminhos particulares alemães“ (deutsche Sonderwege), bem como resistência à ameaça comunista, questão sempre acirrada em Berlim e ao seu redor e oposição ao reconhecimento internacional da República Democrática Alemã e promoção da meta da unidade nacional.
Nem todas as forças políticas da Alemanha na época partilhavam de todas essas convicções. A busca de caminhos para a superação da divisão da Alemanha em dois Estados determinava a discussão política e intelectual desses anos. A abertura da Sociedade Brasil-Alemanha para um espectro partidário maior ficou para mais tarde. Foi uma honra para o Prof. Carlo Schmid, grande social-democrata, ser o primeiro representante de seu partido no Conselho.
A fundação da Sociedade foi precedida por longas negociações do Prof. Görgen para conseguir bases financeiras sustentáveis. Essas deveriam basear-se sobre três pilares: contribuições dos sócios e doações; subsídios dos Ministérios de Relações Exteriores e do Serviço de Imprensa e Informação. Essas bases permitiriam a organização e manutenção de um escritório em Bonn, a contratação de colaboradores e a fundação de filiais em outras cidades alemãs. Em 21 de agosto de 1961 a Sociedade foi reconhecida, com base no direito fiscal alemão, como „de utilidade pública“, o que era e continua sendo condição sine qua non para angariar doações.
Desde o início, um informativo sobre temas brasileiros ou referentes às relações Brasil-Alemanha, inicialmente mimeografado e posteriormente impresso sob a forma de Cadernos Teuto-Brasileiros (Deutsch-Brasilianische Hefte), indicava que a Sociedade pretendia estender com suas publicações o círculo de seus sócios. Da história da DBG fazem parte desde então suas publicações, em particular os comentários sobre acontecimentos atuais publicados pelo „Professor“.
A fundação da Sociedade Brasil-Alemanha, com tantos apoiadores de destaque, não foi saudada por todos. No círculo das associações dedicadas às relações com a América Latina como um todo ou com a Península Ibérica fez-se sentir alguma resistência. Reclamavam-se direitos adquiridos, insinuava-se que a DBG prestava um desnecessário serviço dobrado.Temia-se o desligamento de sócios, a concorrência por doadores em potencial e pelos benefícios de instituições públicas de incentivo.
Em contraposição a isso, a segunda assembléia geral da DBG fez uma clara oferta de cooperação , dirigida ao Ibero-Club em Bonn e ao Ibero-América Verein em Hamburgo, que incluía até o envio recíproco de membros da diretoria.
As reações à fundação da DBG e a resposta desta colocam em dia a questão quanto à motivação de Görgen e de seus fundadores. Görgen mesmo expressou em discurso por ocasião de seu aniversário de 85 anos, em que fez um balanço de suas experiências de vida, o seguinte:
Minha rota de fuga terminou no Brasil em 1941. A convivência com os brasileiros me mostrou coisas essenciais: eu cheguei à convicção de que as novas associações e conexões entre a Europa, de um lado, e a América Latina, de outro, são essenciais para os governos e os países dos dois lados: eu acho que devo tomar como missão a construção dessa consciência em ambos os povos.
… a questão sobre nossas relações com o Brasil está, a longo prazo, sob diferentes aspectos, intimamente associada a questões existenciais do mundo ocidental, um mundo que dificilmente pode ser pensado sem um Brasil forte, como concepção, como elemento organizacional e econômico. (Görgen 1995. pag. 85)
A fundação da Sociedade também contribuiu para que surgisse a convicção de que, frente à crescente importância do Brasil na América Latina, assim como ao crescente poder de atração do país no cenário internacional, já não era suficiente o seu „tratamento em conjunto“ no âmbito do subcontinente, mas que a sua posição política e econômica e seus pontos de vista deveriam ser trazidos a publico na Alemanha por uma instituição que se ocupasse especificamente do Brasil.
Vale lembrar: Algumas das „Associações Ibéricas“ na Alemanha tiveram sua origem justamente no cultivo de relações com a referida Península. Entretanto, esta ainda era, na época da fundação da DBG, dominada por ditaduras – Franco na Espanha e Salazar em Portugal – e estava envolvida em guerras coloniais na África. Tanto uma como outra, situações repugnantes para Görgen e sua vita.
Altamente positiva foi a recepção da notícia da fundação da DBG pelo Congresso Nacional brasileiro. O deputado Herberto de Castro leu em 19 de outubro de 1961, no plenário, as atas de fundação da Sociedade e os nomes dos membros de sua diretoria, com o que colheu aplausos de todos os lados da Câmara.
De acordo com sua missão, a Sociedade Brasil-Alemanha logo dedicou-se com grande entusiasmo à elaboração de um variado programa cultural e de informação, assim como de cursos de língua portuguesa. Exposições e apresentações musicais alternavam-se com palestras sobre aspectos culturais, econômicos, sociais e geográficos. O Prof. Görgen proferia palestras em Bonn e em outras cidades sobre a situação política do Brasil, muitas vezes inclusive em âmbito universitário. Entre os palestrantes, encontram-se, nos anos iniciais, nomes ilustres como o do Prof. Gilberto Freyre com o tema „Brasil – novo mundo nos trópicos“ e o do Rabino-mor, Prof. Dr. Fritz Pinkus, que relatava sobre o destino dos judeu emigrados ao Brasil.
Não tardaram os desafios na esfera política. No dia 13 de agosto de 1961, a República Democrática Alemã (RDA) erigiu o Muro de Berlim e transformou a fronteira interna alemã em uma Barreira Antifascista („Antifaschistischer Schutzwall“).
Como reação, o governo da República Federal da Alemanha (RFA) intensificou seus esforços por uma firme condenação do muro por parte de amigos e aliados, de governos e da comunidade internacional, inclusive do Brasil.
Görgen viajou sucessivas vezes como Encarregado do Serviço de Imprensa e Informação para a América Latina, tirando proveito de sua rede de relações pessoais e dos contatos políticos no Brasil: como presidente da DBG, visitou instituições federais e estaduais, bem como universidades. Ao mesmo tempo, fortaleceu os seus contatos com círculos predominantemente conservadores, que de sua parte temiam que o exemplo cubano – onde a Revolução se aproximava cada vez mais de Moscou – pudesse encontrar seguidores na América Latina continental.
Esse temor não era infundado. As eleições presidenciais de 03 de outubro de1960, que deveriam decidir o sucessor de Juscelino Kubitschek de Oliveira, trouxeram uma guinada para a esquerda. O candidato Jânio Quadros venceu o pleito com slogans típicos do populismo de esquerda e o vice-presidente eleito foi o socialista João Goulart, “Jango“. Jânio exerceu seu mandato por pouco tempo – a alta condecoração por ele concedida a Che Guevara, poucos dias depois do Muro de Berlim, desencadeou uma avalanche que terminou por derrubá-lo. A esse respeito, o Embaixador Bueno do Prado, que regressara ao Brasil, escreveu a Görgen:
„O seu amigo Lacerda foi, como em outras ocasiões, o detonador da situação. Ao atacar abertamente a política esquerdista de Jânio, ele colocou o presidente frente a duas alternativas. Ou ele se enquadrava nas fileiras do ocidente, ou reagia com uma obstinação ainda maior, procurando concentrar mais poderes em suas mãos para se colocar de maneira ainda mais firme ao lado dos adeptos da neutralidade e dar maior cobertura ao projeto de Fidel Castro. Isso significaria abrir as portas do país para os agentes de Moscou.” (Arquivo da DBG Bonn ).
Em agosto de 1961, Jânio Quadros renunciou sob o pretexto de obrigaram-no „forças ocultas“. A posse do vice-presidente – conforme ditava a Constituição – opunham-se os três ministros militares sob a alegação de suas „ligações com Moscou e Pequim“. Inicialmente a crise foi atenuada por uma reforma constitucional – com a criação de um cargo de Primeiro-Ministro. Mas esta constelação teve uma vida breve. Em março/abril de 1964 as Forças Armadas perpetraram um Golpe de Estado. Sob pressão e dizimado devido a inúmeras cassações, o Congresso Nacional elegeu o até então marechal Humberto de Alencar Castelo Branco como presidente do país. Atos Institucionais interditaram partidos e abriram a possibilidade de condenação e exílio de personas non gratas, a começar pelo ex-presidente Juscelino Kubitschek.
A DBG viu-se em uma situação difícil: de um lado, tinha que lamentar o golpe à democracia e aos direitos humanos; de outro, era importante manter abertos os canais de comunicação de ambos os lados, seguir divulgando a Alemanha no Brasil – o que foi facilitado pela orientação claramente anticomunista do regime – a apresentar na Alemanha de forma equilibrada o desenvolvimento brasileiro e suas perspectivas, considerando a já significativa participação industrial alemã.
O Prof. Görgen definia o acontecido como “uma reação de grupos políticos os mais diversos (ou seja, não apenas dos militares) contra uma ameaçadora guinada à esquerda“. Ele procurava em suas palestras a difícil equação entre condenação de „regimes totalitários“, como o nazista e o comunista, e o adiamento do julgamento de „governos autoritários“. Inicialmente, entretanto, ele considerou a situação política interna do Brasil como tranquilizadora – com sua orientação internacional novamente no âmbito ocidental e perspectivas favoráveis para a indústria, livre da paralisação por greves. Essa avaliação também era partilhada no meio econômico. Investidores estrangeiros vislumbravam novas chances. Anunciava-se um „milagre econômico“ brasileiro.
Também a política oficial enfatizava a continuidade. O presidente da República Federal da Alemanha Heinrich Lübke fez, logo após o Golpe de Abril, uma visita – já anteriormente programada – ao Brasil. O ministro das Relações Exteriores Willy Brandt visitou o Brasil em 1967, reunindo-se com seu colega brasileiro Magalhães Pinto, um dos cabeças civis do Golpe de 1964, enquanto governador de Minas Gerais – e seu sucessor retribuiu a visita em 1969 e recepcionou, na ocasião, a diretoria da DBG.
Por fim, vale registrar que a América Latina foi nos anos 60 e 70 cada vez mais cedendo ao jugo dos militares, o que foi até bem visto no contexto de discussões sobre políticas de desenvolvimento. Acreditava-se que „ditaduras em desenvolvimento“ rompiam com velhas oligarquias, promoviam o desenvolvimento rápido e combatiam à pobreza. Essa idéia motivou também o primeiro Ministro do Desenvolvimento social-democrata Erhard Eppler a colocar o Peru, governado por militares, entre os principais países a serem favorecidos por programas alemães de auxílio ao desenvolvimento.
Ao final dos anos 60, a situação internacional se desenvolvia à sombra da Guerra do Vietnã. A guerra dos USA no Extremo Oriente foi criticada pela opinião pública na América Latina como imperialismo, pelo qual a região voltava a se sentir ameaçada. Foi uma dádiva para a propaganda cubana, que passou a conclamar a movimentos revolucionários e apoiá-los. Na América Central – Nicarágua, El Salvador – acendeu-se a faísca. No Chile, Salvador Allende foi eleito presidente e após breve tempo de governo foi derrubado pelo General Augusto Pinochet, que liderou a ditadura latino-americana que provavelmente feriu os Direitos humanos de maneira mais brutal.
Isso tudo inflamou as disputas políticas internas de muitos países. Em especial a Revolta Estudantil de 1968; na Europa; aproveitou-se dessa conjuntura para agitar e mobilizar as massas. A centelha se espalhou também pelo Brasil. Dos protestos estudantis por melhoria na qualidade de comida do restaurante universitário Calabouço evoluiu uma guerrilha urbana que chegou a seqüestrar; com uso de armas; três embaixadores; entre os quais o alemão Ehrenfried von Holleben; e um cônsul-geral para pressionar a libertação de presos supostamente políticos.
O regime militar reagiu com endurecimento e repressão. Esta atingiu seu auge no governo do General Emílio Garrastazu Médici; até então chefe do SNI; Serviço Nacional de Informações. O DOPS – polícia política – prendia suspeitos e os tratava com brutalidade. Os „esquadrões da morte” supostamente formados por membros das forças de segurança; liquidavam os dissidentes.
A situação na América Latina; especialmente no Brasil; entrou na ordem do dia nos debates sobre política interna e externa alemã. Esse foi o motivo principal que fez com que integrantes da Embaixada do Brasil se retirassem da direção da DBG em 1970. Apesar do conseqüente distanciamento do „Brasil oficial“; a DBG permaneceu fiel à tarefa que se propôs – ainda que sob condições dificultadas.
Em Colônia; sob a liderança do jornalista da WDR J.H.Casdorff; constituiu-se um „Tribunal do Brasil“. O principal ponto da acusação; representada pela Amnesty International e outras organizações; era a „tortura“. Como advogado de defesa foi chamado o Prof. Görgen. Ele desempenhou seu papel „ com cautela; tranquilidade; objetividade e conhecimento“ – conforme notícia publicada nos Cadernos Teuto-Brasileiros. Citou já de início uma certa „histeria anti-Brasil“ e; baseando-se em suas fontes na CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil); afirmou: „O Brasil recusa torturas e combate os esquadrões da morte” (Bodens; 1972; p. 314).
Cerca de 120 casos comprovados de maus tratos a presos foram; em comparação; minimizados. O que foi veementemente contestado pelos adeptos da Teologia da Libertação e pelas Comunidades de Base; que em parte eram apoiados por instituições eclesiásticas alemãs; e nas quais atuavam também religiosos alemães.
Aqui sinalizava-se mais um front de batalha nos embates da política interna brasileira: líderes religiosos conservadores em oposição aos teólogos progressistas e ao baixo clero. Nos Cadernos Teuto-Brasileiros; ambas as orientações ganharam voz. Os cardeais Lorscheider e Lins tiveram publicadas suas Cartas Pastorais. Dom Hélder Câmara foi apresentado em seus empenhos. Quando o líder intelectual da Teologia da Libertação; Leonardo Boff foi punido; no final dos anos 80; pelo Vaticano; também foram publicados artigos a esse respeito.
O ministro brasileiro das Relações Exteriores Ramiro Saraiva Guerreiro; por ocasião de sua visita a Bonn em 1980; sentiu necessidade de solicitar à DBG que informasse com exatidão; sobretudo nos meios religiosos alemães; sobre as relações entre Igreja e Estado no Brasil e sobre a política social e econômica brasileira. (LAZ 1980; S.146 )
A DBG) entretanto; familiarizada com a realidade local – entre outros motivos; em virtude dos projetos do Centro América Latina e dos contatos do Prof. Görgen com grupos eclesiásticos alemães envolvidos na ajuda aos carentes – não pôde colocar em ação uma política de informação nos moldes requeridos pelo Ministro.
O destino político e econômico do Brasil nos anos 70 foi determinado a longo prazo por dois acontecimentos: crises energéticas e incipientes reformas políticas.
A primeira Crise do petróleo de 1973 levou a dramáticos revezes no comércio exterior brasileiro. Se até então um terço das exportações de café bastava para pagar a importação de petróleo, agora mal eram suficientes as receitas totais da exportação de café, soja, açúcar e minério de ferro. Os recursos que faltavam eram obtidos através do endividamento crescente – com consequências inflacionárias. O crescimento econômico do Brasil foi fortemente freado. O „milagre econômico“ era questionado.
Simultaneamente foi empreendida a primeira tentativa de substituir a gasolina produzida a partir do petróleo, pelo combustível gerado a partir da cana-de-açúcar. Esse desenvolvimento obteve um grande espaço de divulgação nas palestras da DBG e em suas publicações.
Aí se insere também o Tratado Nuclear Alemanha-Brasil assinado em 1975, definindo a exploração de energia nuclear para fins pacíficos pelo Brasil com tecnologia alemã. Isso também foi veementemente criticado por setores da opinião pública alemã,“uma vez que o regime militar não havia se submetido a nenhum controle estrangeiro“. Görgen, pelo contrário, defendia o Tratado como imprescindível para a política energética brasileira, celebrando, ao mesmo tempo,uma das maiores encomendas já recebidas pela industria alemã.
Internamente o regime militar não deu continuidade à „linha dura“, mas conduziu em direção a um gradual retorno à democracia. Como próximo chefe de Estado assumiu o general Ernesto Geisel, o primeiro presidente do Brasil de origem alemã e protestante. Sua árvore genealógica foi detalhadamente comentado nos Cadernos Teuto-Brasileiros e sua posse foi celebrada como um marco na história do elemento alemão na população brasileira. Em 1978 ele fez uma visita à República Federal da Alemanha, a qual, porém, se deu sob atmosfera carregada, em virtude de sua recepção crítica por parte dos meios de comunicação e da opinião pública alemães.
A visita do seu sucessor João Figueiredo ao país, em 1981, já transcorreu em clima mais favorável. Sua meta de uma redemocratização acelerada foi reforçada pela realização de eleições, inicialmente em nível municipal, o que aumentou sua credibilidade. Durante sua visita à Alemanha, ele recebeu a diretoria da DBG. O Prof. Görgen fez uma exposição do trabalho e dos objetivos da Sociedade, que foram enfaticamente reconhecidos em seus méritos pelo Presidente.
Nessa época de mudanças, passa a aparecer repetidamente o nome Luiz Inácio Lula da Silva nas colunas dos Cadernos Teuto-Brasileiros. Em 1985, é transcrito um editorial do Jornal do Brasil em que Lula – então recém eleito chefe de partido – é criticado como „selvagem“, por forçar mudanças políticas internas através de greves.
Em 1989, fala-se sobre a recepção de Lula na Chancelaria alemã. Com o então ministro de Estado Lutz Stavenhagen, ele concordou „que estabilidade econômica é uma condição essencial para relações políticas estáveis“ (LAZ 1989). Stavenhagen salientou também, diante do crescente uso para cultivo de áreas de florestas tropicais e do cerrado, a necessidade de se preservar o meio-ambiente e proteger os recursos naturais. No mesmo ano, é publicado um necrológio de Chico Mendes, o pioneiro da luta contra a ocupação desenfreada de terras e o desmatamento, assassinado na Amazônia.
Em 1989 cai o Muro de Berlim e em 1990 a Alemanha é pacificamente reunificada. A DBG entende-se a partir daí como uma associação referente a toda a Alemanha.
O movimento brasileiro de democratização culmina na Constituição de 1988, com a posse do presidente civil José Sarney e com a primeira eleição presidencial direta, de que sai vitorioso Fernando Collor de Mello.
No curso desse desenvolvimento, especialmente do processo constitucional, um novo instrumento da DBG ganha importância: o simpósio público com convites a todos os interessados nos círculos políticos, econômicos e sociais. Como palestrantes são captados especialistas reconhecidos da área política, acadêmica, de instituições de pesquisa, da sociedade civil e dos meios de comunicação. Após ensaios iniciais de promover sozinha esses eventos, a DBG definiu-lhe um ritmo bianual e estabeleceu uma parceria fecunda com a Fundação Konrad Adenauer, que perdura até hoje.
O III Fórum contou com a presença do ministro das Relações Exteriores, Prof. Francisco Rezek. Ele manifestou a esperança de obter „o apoio da Alemanha na Rodada Uruguay, para achar uma solução para o impasse no setor agrícola“ (Rezek 1991,pag. 302) – palavras proféticas face aos embates ainda hoje persistentes entre países industrializados e países em desenvolvimento.
O Brasil de feições democráticas ganha estatura não apenas nas negociações comerciais internacionais. Após décadas de críticas internas e internacionais sobre agressões ao meio-ambiente no Brasil, o País se coloca no topo do movimento: o presidente Collor convida para a realização da Conferência das Nações Unidas para o Meio-Ambiente e Desenvolvimento (Eco-92) no Rio de Janeiro em 1992.O motor desse movimento é o ministro do Meio-Ambiente José Lutzemberger. O Chanceler da República Federal da Alemanha, Helmut Kohl, que já havia visitado oficialmente o Brasil em 1991, participa da Conferência. A DBG acompanha essa abertura para uma política internacional de Meio-Ambiente com palestras e artigos que refletem a preocupação com a exploração predatória das florestas.
Infelizmente não se confirmaram as expectativas de que o Brasil, com sua nova Constituição, conquistaria estabilidade política e econômica. A inflação atingiria níveis estratosféricos. No outono de 1992, diante um iminente processo de impeachment, o Presidente Fernando Collor renunciou ao seu cargo. Seu sucessor foi o Vice-Presidente Itamar Franco. Um dos méritos pessoais de Itamar Franco foi, sem dúvida, a nomeação do Prof. Fernando Henrique Cardoso como ministro das Relações Exteriores e posteriormente ministro da Fazenda. Este, com o „Plano Real“, liderou a guinada que trouxe novo impulso econômico ao Brasil e, com sua eleição por duas vezes à Presidência da República, inaugurou uma era de estabilidade política e prestígio internacional.
O Presidente Fernando Henrique Cardoso, professor de Sociologia e aluno de Sergio Buarque de Hollanda, conforme ele próprio revela, tem uma grande dívida com a Sociologia e a Filosofia alemãs e mostrou-se em seu período na presidência um grande amigo da Alemanha, país que visitou sucessivas vezes, como por ocasião da Expo 2000 em Hannover.
Em 1990 a DBG celebrou seus 30 anos de existência. Seu Vice-presidente Josef Reufels, que nos anos antecedentes havia ocupado o cargo de Cônsul-Geral em São Paulo, pôde fazer em seu discurso um balanço positivo das últimas décadas. A DBG fundara sua sede em Bonn, abrindo, com o apoio voluntário de varias personalidades, 10 filiais em diferentes estados e cidades.
No início dos anos 70, especialmente em virtude do grande interesse despertado pelo „milagre econômico brasileiro“, o número dos sócios havia chegado a 873, diminuindo na época do trigésimo aniversário da Sociedade para 644 e aumentando até 1992 novamente para 701 membros (sem considerar familiares). A central de Bonn contabilizou uma saída de correspondência no montante de 2.169 cartas, 11.053 impressos e 26 pacotes.
O aspecto financeiro tornou-se complicado. Após a reunificação da Alemanha e em virtude das dificuldades econômicas do Brasil, ambos os governos tomaram medidas de contenção de despesas, as quais também atingiram os subsídios para organizações não-governamentais. No caso da DBG, especialmente a edição dos Cadernos Teuto-Brasileiros foi prejudicada.
Para a DBG, entretanto, o ano de 1994 foi um ano de mudanças decisivas. Após celebrar seu 85° aniversário no início do ano – quando, em um comovente discurso fez um balanço de suas experiências de vida -, o Prof. Görgen faleceu de forma inesperada, no início de maio. Seus amigos e companheiros de trajetória no Brasil e na Alemanha compartilharam a tristeza pela partida de uma grande personalidade e pela irreparável perda. Foi prestado reconhecimento à sua obra nos meios de comunicação e através de publicações especiais.
Sua morte deixou uma enorme lacuna em ambas as sociedades por ele fundadas, a DBG e o Centro América Latina (LAZ). Um difícil recomeço que resultou em separação de tarefas. O Dr. Helmut Hoffmann tornou-se presidente do LAZ e na DBG assumiram a liderança, primeiramente, o vice-presidente Dr.Klaus Rose, membro do Parlamento alemão, e o gerente Wilhelm Bodens. A assembleia geral de 7 de fevereiro de 1995 escolheu, como novo Presidente, o ex-Adido Militar, recém-chegado de Brasília, Coronel a.D. Eylard Freiherr von Roenne. Sua tarefa primordial era revitalizar as ligações da DBG e fazer novos contactos. Durante uma viagem ao Brasil, ele retomou uma questão já cogitada no início dos anos 60, mas adiada durante o regime militar, a saber, se seria viável a fundação de uma filial brasileira da DBG. O resultado não foi, por fim, a fundação de uma associação paralela, mas a atração de novos membros brasileiros para o Conselho da DBG.
Também se revelou importante a decisão de 1995 de mudar o formato dos Cadernos Teuto-Brasileiros, demarcando um recomeço. Sob o nome TÓPICOS nasceu, então, uma revista que buscava cobrir todo o espectro de interesses simpatizantes do Brasil na Alemanha e procurava atrair um público maior. Ilustrações coloridas na capa e fotos correspondiam ao gosto da época e artigos mais curtos ao tempo para concentração disponível. Michael Rose foi contratado como editor-chefe, tendo dirigido a revista até 2004. Em dia com os novos meios de informática, foi criada uma “newsletter“ mensal eletrônica com o objetivo de informar os membros da DBG e interessados, em geral, sobre eventos, programas de rádio e televisão, artigos na imprensa ou publicação de livros relacionados ao Brasil.
O estatuto da DBG foi modernizado em diferentes aspectos e, sob a responsabilidade de Hans-Joachim Dunker, com quem já topamos como membro-fundador, foi finalmente redigido em sua forma atual – em 2001.
Um dos problemas constantes da nova direção tem sido a contínua diminuição das remessas por parte do Ministério Alemão das Relações Exteriores e uma exígua receita provinda de contribuições e doações. Assim, a diretoria viu-se obrigada a abdicar da contratação de um novo gerente e a fazer outras economias de pessoal – sobrecarregando, por consequência, seus membros voluntários. Um certo alívio veio com o ano de 1999, quando a cidade de Bonn colocou um prédio na Kaiserstr. 201 à disposição de organizações não-governamentais, e a DBG pôde aí ocupar salas a preços acessíveis juntamente com o LAZ.
Não obstante esses cortes, a DBG continuou oferecendo uma vasta gama de eventos representativos. Em 1997, o vice-Presidente Marco Maciel fez diante da DBG e da Sociedade Alemã de Política Externa (Deutsche Gesellschaft für Auswärtige Politik / DGAP) um discurso sobre „Regierbarkeit und Politische Reformen in Brasilien“, sendo isso um exemplo ilustrativo de cooperação entre a DBG e outras instituições internacionais.
Por ocasião das visitas do presidente Fernando Henrique Cardoso, a DBG foi devidamente lembrada e teve seu trabalho reconhecido. No Embaixador brasileiro, Roberto Abdenur, que permaneceu por seis anos na Alemanha, a DBG encontrou um amigo e parceiro ativo; ele mantém-se intimamente ligado à DBG.
O Presidente Freiherr von Roenne contentou-se com um exercício e não se recandidatou. Assim, em 1998, chegaria a hora de mais uma mudança na direção. Foi eleita Presidente a então vice Sabine Eichhorn, intérprete-chefe da língua portuguesa no Ministério Alemão das Relações Exteriores de Berlim. A primeira meta da nova Presidente foi renovar o elenco do Conselho. Conseguiu angariar o ex-Chanceler Helmut Kohl como novo membro. Seguindo a sugestão deste, ela convenceu o ex-Ministro da Cooperação Econômica e Desenvolvimento, Carl-Dieter Spranger, a assumir a presidência do Conselho. Este, junto com a senhora Sabine, contactou representantes de todos os grupos do Parlamento alemão, bem como personalidades da vida cultural e econômica. Assim foi possível formar um Conselho com membros engajados em prol de uma cooperação mais estreita e intensa entre o Brasil e a Alemanha.
Os anos 90 foram em toda América Latina a década da democratização. Nenhum regime militar sobreviveu. Desenvolvimento econômico e justiça social permaneceram os grandes desafios. A maioria dos países da região tentou fazer jus a isso a partir das receitas do Fundo Monetário Internacional (FMI) que no Chile deram bom resultado: política orçamentária sólida, taxa de câmbio estável, abertura dos mercados e privatização de estatais deficitárias.
A concorrência acirrada por economias mais abertas permitiu ao Brasil, aos poucos, ir tomando pé no mercado mundial também com produtos industrializados. Um novo florescimento econômico parecia possível. A cooperação econômica na América Latina estava em alta. Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai fundaram o Mercosul. A convite do Presidente Fernando Henrique Cardoso e do Chanceler Gerhard Schröder, realizou-se em 1999 no Rio de Janeiro a I Cúpula América Latina, Caribe e União Europeia (EU). Aí foi acordada a autorização para negociações entre a EU e o Mercosul através de um Tratado de Associação – o que não foi implementado até hoje.
A economia alemã inicialmente acompanhou de forma muito hesitante o desenvolvimento na América Latina. Sua participação nas privatizações foi exígua. A Alemanha ficou atrás de Portugal e Espanha em volume de investimentos no Brasil – para os empresários alemães eram prioritários os empreendimentos internos após a reunificação, para empresas de meio porte, os países da Europa oriental, e para as grandes empresas, a entrada no mercado do sudeste asiático. Isso teve como consequência a diminuição do interesse das empresas na DBG, o que teve efeito negativo sobre as disponibilidades financeiras desta, mas também desafiou-a a reforçar suas atividades de marketing.
No ano de 1999, o governo e o parlamento alemães mudaram-se para Berlim. O Ministério das Relações Exteriores fez a sua mudança no final do ano. A Embaixada do Brasil seguiu o mesmo rumo – o Presidente Fernando Henrique Cardoso fez a entrega do novo prédio por ocasião de sua visita à Alemanha para a Expo 2000.
Para a DBG colocava-se então a questão: permanecer em Bonn ou mudar-se para Berlim?
Por sugestão da Presidente Sabine Eichhorn e após debates, em parte polêmicos, a assembleia geral de 2001 decidiu a questão a favor de Berlim. O estatuto foi devidamente alterado e a DBG registrada no cadastro de associações de Berlim-Charlottenburg.
De acordo com as resoluções da assembleia geral, a Presidente Sabine Eichhorn e os membros da presidência de Berlim tomaram providências resolutas para dar novo início em palco berlinense. Foi alugado um escritório num prédio histórico, localizado no Festungsgraben, nas proximidades da Ilha dos Museus e da Universidade Humboldt. Sob a chefia da Presidente e do vice -Presidente Dr. Hans-Joachim Henckel, a organização angariou novos sócios e programou eventos representativos, recorrendo, entre outras coisas, aos meios eletrônicos. A Embaixada do Brasil apoiou efetivamente a DBG, levando, naturalmente, em consideração a sua autonomia.
A Presidência conseguiu estabelecer relações de parceria com a Universidade Humboldt, com o Instituto Ibero-Americano, com o Clube Internacional do Ministério Alemão das Relações Exteriores, bem como com organizações ativas na cooperação de desenvolvimento. Essas providências constituíram contribuições importantes para o desempenho bem sucedido na Capital, pois, em contraposição na época de sua fundação, a DBG não foi considerada em Berlim como concorrente. Pelo contrário, devido ao crescente interesse pelo Brasil, a DBG foi acolhida com grande entusiasmo, sobretudo por parte de representantes da jovem geração.
Em decorrência das múltiplas viagens oficiais da presidente ao Brasil e de permanências mais demoradas junto a representações diplomáticas alemãs, foi-lhe possível, dentro dos escopos da DBG, estabelecer e cultivar contactos com personalidades brasileiras da vida política, econômica e cultural.
A mudança, entretanto, não foi completa. Na verdade, a administração geral e a redação da revistaTÓPICOS permaneceram em Bonn, uma vez que a imensa maioria dos sócios se encontrava na região do Reno: Frankfurt, Bonn, Colônia, Düsseldorf. Assim, desenvolveu-se um modelo de sede dupla, com o vice-Presidente Dr.Hans-Joachim Henckel e o vice-Presidente Dr. Klaus Platz administrando em conjunto, o primeiro a partir de Berlim e o segundo a partir de Bonn. Os cursos de português tiveram seguimento em Bonn. Em Berlim foram iniciados.
Para o futuro – isso tornou-se claro – mostra-se impraticável uma mudança completa para Berlim, sobretudo por questões financeiras e de pessoal. É provável, então, a permanência da administração em Bonn, sendo necessária a presença regular do presidente em ambas as sedes, bem como nos distritos e seções.
Com a posse do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 01 de janeiro de 2003, pela primeira vez um brasileiro não oriundo das tradicionais elites políticas, econômicas, militares ou acadêmicas assumia o posto mais alto da República – depositário da esperança não apenas das camadas menos privilegiadas da população do País, mas também de todo um espectro internacional da esquerda e de críticos da globalização, que encontraram, desde o início do segundo milênio, seu palco no Fórum Social Mundial de Porto Alegre.
Na contramão dessas espectativas, Lula inicialmente deu seguimento à política econômica e orçamentária tendencialmente conservadora de seu antecessor. O Fundo Monetário Internacional sob a liderança de seu então Managing Diretor Horst Köhler, prestou ajuda com um crédito imediato no montante recorde de 30 bilhões de dólares para superar uma crise de confiança inicial. No campo social, foi assegurada uma renda mínima às famílias necessitadas através dos programas „Fome Zero“ e „Bolsa-Família“. Entrementes, quase um entre quatro brasileiros tira proveito desses programas.
Com Lula, o Brasil continua ganhando prestígio internacional. Política ativa no hemisfério sul, expectativa de um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU, liderança da missão de paz da ONU no Haiti, Coordenador do Grupo G 20 nas negociações da Organização do Comércio Internacional e participação decisória na reorganização do sistema monetário e financeiro internacional: essas são as palavras-chave para seu, conscientemente, almejado papel de „Global Player“.
A Alemanha foi o primeiro país, fora da América Latina, visitado por Lula – um pais que o havia apoiado desde o início como dirigente sindical e partidário através da Federação dos Sindicatos Alemães (Deutscher Gewerkschaftsbund) e da Fundação Friedrich Ebert. Novamente um amigo da Alemanha era eleito para o posto mais alto do País.
Essa nova personalidade, sua visão e sua política voltaram a despertar o interesse de diferentes espectros na Alemanha. Foi tema profundamente discutido nos simpósios organizados pela DBG e pela Fundação Konrad Adenauer.
A revista TÓPICOS esclarecia – também criticamente, se necessário – os planos, metas, sucessos, mas também os desacertos de seu governo.
Um desenvolvimento econômico positivo do Brasil com crescimento sustentável, inflação baixa, recordes de exportação. com base em altos preços para a matéria prima, e atividades pioneiras em biocombustíveis, bem como grandes investimentos em infraestrutura voltaram a despertar o interesse da economia alemã, voltando as empresas alemãs a investir em grandes projetos no Brasil.
A Copa do Mundo de 2006 na Alemanha e a série de eventos da „Copa de Cultura“ colocaram o Brasil novamente sob os holofotes nos meios de comunicação.
Em dezembro de 2004, foi eleita uma nova diretoria sob a chefia do ex-Embaixador alemão no Brasil, Dr. Uwe Kaestner. Sua antecessora e os vice-presidentes permaneceram na mesa diretora. A continuidade ficou, assim, assegurada. O mesmo valeu para a reeleição em 2007, o vice-Presidente Dr.Henckel, no entanto, foi impedido de candidatar-se novamente; como sucessor foi eleito o Dr.Axel Gutmann.
Em 2009 foi eleito como novo membro da Presidência o Sr. Prot von Kunow, também ex-Embaixador alemão no Brasil. O presidente do Conselho, ex-Ministro Carl-Dieter Spranger, retirou-se do cargo, após dez anos de atividades coroadas de êxito. Como sucessor foi eleito o ex-deputado federal alemão Lothar Mark.
A Presidência eleita em 2004, teve como meta prioritária estabilizar a situação financeira da DBG e enfrentar o problema da continuidade da publicação da revista TÓPICOS, tendo em vista o constante encolhimento das subvenções públicas. Esse problema foi um ponto crucial das atividades nos subsequentes anos.
No início de 2005 foi possível angariar como redator-chefe o jornalista Geraldo Hoffmann, então colaborador da Deutsche Welle. O número de autores e fotógrafos, que em grande parte, fornecem suas contribuições gratuitamente, aumentou bastante. Seja aqui dito a todos eles um cordial muito obrigado. A variedade tradicional do conteúdo foi resguardada, tendo sido ampliada a parte econômica e, desde a Copa de 2006, aberta nova rubrica sobre esportes.
Na sua qualidade de editor da revista, o presidente Dr.Uwe Kaestner, vem tratando intensamente da parte financeira, sobretudo, no que diz respeito a consecução de anúncios, sendo apoiado pelos colegas da Presidência. Por ocasião do Encontro Econômico Brasil-Alemanha de 2005, em Fortaleza, foi possível dar um novo início com pleno financiamento da revista que, desde então, está sendo publicada regularmente, de três em três meses. Aos anunciantes o nosso agradecimento todo especial. Com sua ajuda TÓPICOS até conseguiu contribuir em um e outro projeto cultural da DBG.
Revitalização da presença da DBG conseguiu-se, também, em Baden-Württemberg, Baviera e Hamburgo. Depois de algum tempo de vacância, há hoje personalidades engajadas em dar novo perfil à DBG in loco.
De modo crescente, a Presidência aproveitou de eventos realizados por terceiros: os anuais Encontros Econômicos Brasil-Alemanha, barômetro das relações econômicas bilaterais e importante foro de contacto para autores e anúncios; reuniões da Associação Alemã de Pesquisas sobre a América Latina (ADLAF) e da Associação de Juristas Alemanha-Brasil, bem como o Diálogo das Sociedades Civis Brasil-Alemanha e o EU-Mercosul Business Forum.
Houve continuidade do leque tradicional de eventos com constante desenvolvimento fora dos focos Berlim e Bonn.
Boa conjuntura tiveram os cursos de português que, entrementes, são muito procurados e autofinanciados.
A intensa procura da variante brasileira da língua portuguesa constitui sinal claro do crescente interesse alemão pelo Brasil. Pois, após os êxitos iniciais do governo Lula, está se evidenciando no seu segundo mandato (2007-2010) a qualidade e extensão dos avanços econômicos e sociais do Brasil. Prova especial da resistência da economia brasileira foi e continua sendo a crise econômica e financeira internacional grassante desde 2008: esta atingiu o Brasil mais tarde e nitidamente menos intensa do que outros países industrializados ou emergentes – tendo o Brasil voltado no roteiro do crescimento já em 2009.
A descoberta sensacional de petróleo e gás natural no litoral brasileiro darão origem a investimentos de grande porte. Os novos recursos abrem perspectivas à continuação do crescimento dinâmico, abrindo novas possibilidades comerciais e de investimentos a parceiros estrangeiros.
E não por último: com a Copa do Mundo de 2014 no Brasil e os Jogos Olímpicos de verão em 2016 no Rio de Janeiro, o Brasil conseguiu atrair dois grandes eventos esportivos internacionais que, não só convidam futuros engajamentos de parceiros alemães já familiarizados nesse campo, como também oferecem à DBG múltiplos pontos de partida para encetar laços de amizade perene com interessados em eventos do momento.
No ano de 2010, a DBG pode comemorar 50 anos de existência. É com agradecimento e satisfação que pode lembrar os êxitos da geração dos fundadores e das inúmeras personalidades que, nas décadas passadas se engajaram em prol dos objetivos da DBG. Comemorará o jubileu comum com uma série de eventos de alto nível, com os quais tenciona atingir um público mais amplo e fazer novas amizades.
No entanto o ano das comemorações não constitui motivo de cruzar os braços, pois tanto a DBG como sua Presidência terão que enfrentar grandes desafios no futuro:
Finalmente gostaria de agradecer a todos os amigos do Brasil na Alemanha que nas últimas décadas empenharam-se ou continuam empenhando-se voluntariamente pela DBG e sua revista TÓPICOS. Esse agradecimento inclui particularmente os membros do Conselho da Sociedade na Alemanha e no Brasil.
Dr. UWE KAESTNER foi Embaixador da Alemanha no Brasil de 2001 a 2004. Começou sua carreira diplomática no Rio de Janeiro, em 1966 a 1970. De 1993 a 1995 foi Encarregado do Departamento de Política Latino-Americana no Ministério Alemão das Relações Exteriores e co-autor da concepção do governo alemão para a América Latina de 1995.
De 1986 a 1993 trabalhou na Chancelaria Federal e participou das negociações internacionais sobre a unificação alemã.